segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Na época da inquisição....



Posso sentir o odor do canto usado como latrina, a palha molhada, a parede de pedra escurecida pelo tempo. O losango no qual vejo as alvoradas, nesses últimos dias aqui. Meu treinamento como sacerdotisa, ameniza minha dor carnal, e procuro entender qual o propósito de passar por isso mais uma vez.... já me vi nesta situação, mas não era eu.... pelo menos não na aparência....mas a alma, era minha.
O sol vai nascer em poucos minutos, olho mais uma vez para o losango e peço a Deusa-Mãe que me dê forças para passar por isso.
No escuro da sela ao lado da sua, uma voz lhe chama....
_Porque não se arrepende e pede clêmencia do bispo?
Ouço como um gemido vindo do fundo da mata em que vivia e retirava minha essência.
_Simplesmente por que não posso negar minha verdade.Quem me dera poder ter uma fé simples, na qual, simplesmente eu pudesse pedir clemência e resolver todos os males.
-Não tem medo?
_O medo é ensinado , mas em meu treinamento aprendi a minimizá-lo. Fiz o que pude para ajudar quem precisou, não me arrependo, faria novamente.Este corpo é somente uma "carcaça" que será deixada de lado no processo de passagem. A minha alma, esta sim, é eterna!
O sol começa a surgir no horizonte e o alvoroço se inicia lá fora....
_ O povo já começa a se aglomerar para ver o espetáculo!!! Bando de urubus!!!!
_ A Humanidade tem medo do que não pode explicar pela ciência ou pela religião. Por isso atacam o desconhecido, isso é uma franca demonstração de ignorância e desperdício de poder.
_Devia ter se escondido.... fugido!
_ Se este é meu destino nessa vida, que seja!!! Quando se foge dele, de uma forma ou de outra, acabamos batendo de frente com ele. A pior forma de encontrar o destino indesejado, é fugindo.
_ Realmente lamento, pois a vi curar pessoas com sua arte mágica de curandeira.

Passos no corredor, som de tachas no chão, suor, agônia, aceitação do inevitável....A cela é aberta e sigo meu caminho, pois não há mais volta. Me colocam em uma pira a ser acessa o mais breve possível. Talvez eles expurguem suas ilusões, amarguras e seu egocêntrismo queimando este, que é somente um corpo, que me foi emprestado nessa caminhada. Clamam em seus cânticos por piedade e divergem tanto em seus atos.... doce dualidade...E em alto e bom som, é proclamado:
_Esta mulher está sendo condenada à morte na fogueira, para que purgue seus pecados, como feiticeira.
E dizendo isso, diante de uma platéia sedenta, o fogo foi colocado, fechei meus olhos e me entreguei, não mais estava entre os presentes quando o fogo me tocou!!!! Entre gritos de " bruxa " terminei minha participação nessa vida. Muitas daquelas vozes passaram pelas minhas mãos, para curar mazelas e efermidades..... mas quão traiçoeiro é o ser humano!....Continuarei acreditando na Humanidade....Afinal, os dedos da mão, não são iguais.....


*****


10 anos depois , em um lar cristão, uma linda menininha vem ao mundo..... para mais uma jornada!!!


(Andréa C Narita)




4 comentários:

  1. Quantas de nós trazemos no corpo, e na alma registros carmicos de um passado tão presente?
    Adorei, um dia te conto minha história...

    ResponderExcluir
  2. Maninha eu acho esse um dos mais belos contos
    muito bem escrito e como sempre voce arrebentando
    Beijusss Maninha Te amo...

    ResponderExcluir
  3. Impressionante a mameira suave como você descreve a passagem e o retorno da alma. bjuss Andréa

    ResponderExcluir