Ana não sabia direito
o que estava acontecendo, era uma tempestade de sentimentos e vozes
que se misturavam em seu interior. Sempre teve dúvidas sobre sua
real vocação, mas seguia o que sua mãe havia lhe reservado. Seguiu
o sacerdócio com obediência, mas sempre sonhava com a mesma moça
de pele canela, longos cabelos lisos e olhos amendoados como os seus.
A imagem que queimava em uma fogueira sempre lhe estendia a mão e
pedia ajuda. Anos achando que sofria das investidas do demônio. E
aquele homem estranho, o dono das terras do riacho..... não
conseguia entender o motivo de sentir-se extremamente atraída, era
uma freira e deveria se manter casta. Desejos do demo!!!! agarrou o
terço e colocou-se a rezar.
Sentiu um calor em seus
ombros, quando virou-se viu Euvídio. Antes que pudesse gritar ou
correr, foi calada com um beijo desejoso e atrasado décadas. Lutou
sem querer, até que se rendeu. Uma luz brilhou em sua mente e
finalmente, como em um filme, viu tudo o que deveria lembrar, como
uma projeção cinematográfica. Anahí estava ali, presa dentro
dela, como se fosse um espelho da alma, gritando para ser libertada.
A egrégora que se formou entre os dois era quase um campo de força
extremamente denso, onde duas almas se reencontram após o martírio.
Os olhos se comunicam melhor que as bocas, um misto de alegria e
desespero, desejo e dor.
Longe dali, na
fazenda, Fábio começa a sentir-se mal. Nos últimos dias, vinha
acontecendo muito isso, principalmente perto da temida lua cheia.
Com isso, na última ele quase não conseguiu chegar a tempo de
trancar o patrão no calabouço, ia ser uma carnificina danada. Havia
tido sonhos horríveis com fogo, e um índio jovem e musculoso. Saiu
atrás de Euvídio, sabia bem onde encontrá-lo.
Ao chegar a cidade,
logo viu o carro parado próximo a igreja, correu para dentro. Logo,
sentiu-se queimar, caiu ao chão, e teve consciência de quem era e o
motivo pelo qual estava ali. Agarrou a arma que levava, carregada com
balas de prata, sabia agora o que tinha que fazer. Tomava consciência
de que Antã, era o dono de sua alma.
Infelizmente quando se
lança o mal, você também sai amaldiçoado. Sua mente voltou
naquela fatídica noite, muito tempo atrás, onde lançou toda a tribo
contra Anahí, quando a queimaram viva e colocaram uma maldição no
filho do dono da propriedade, tudo porque não soube perder. Teria
que acabar com tudo, só ele podia.
A dama cheia, graciosa
começa a subir ao céu em meio a nuvens carregadas.....
Euvídio, a besta fera,
começa a dar forma ao que se tornou no passado. Sua pele começa
a rasgar, assustada Ana (Anahí) fica horrorizada com a
transformação. Ele a empurra, pede que corra. Ela não ouve.
A chuva começa a cair,
trazida pelos relâmpagos e trovões.....
O cheiro da maldição
percorre o ambiente, quase transformado, desesperado pela presença
de sua amada. Quase sem sentido humano. Ana (Anahí) assiste ao show
de horror e petrifica. A criatura corre, destrói tudo que existe ao
seu redor. Está feita, já não é mais o homem, mas um demônio que
anda sobre patas. Sente o cheiro do medo dela, e no momento em que se
lança sobre a pequena freira, várias balas prateadas percorrem o
lugar, saídas de um canto escuro. O odor do sangue enche o espaço,
ao olhar Fábio (Antã) vê sua obra. Dois corpos ensanguentados, um
animal descomunal em cima de um pequeno corpo, mortos. As balas
atingiram os dois.
Neste mesmo instante,
uma luz brilhante surge saída dos corpos já sem vida ao chão. Mas
o que seria vida, para as almas.....elas não morrem, apenas
ressurgem, renascem.
A chuva para lá fora,
e a Lua Cheia se faz majestosa no céu.
Os espíritos de Anahí
e Euvídio, finalmente se encontram e partem juntos. Eis o fim da
maldição. Foi preciso o fim do ciclo, a morte, que nada mais é que
um retorno a um novo início.
Mas como a sábia vida
mostra, colhe-se o que se planta. Fábio (Antã), foi encontrado na
manhã seguinte, na igreja desacordado. Os corpos não estavam mais
lá, mas ele sim, não se lembrava de mais nada e foi levado ao
hospital da cidade vizinha, terminou louco, com distúrbios mentais em
um sanatório.
Naquela cidade ninguém
mais soube da freirinha e do dono da fazenda. A lenda de que fugiram
juntos ficou, ou a de que ele virou lobisomem e a matou e a carregou
para o inferno. Mas o que realmente ficou, foi a paz de espírito das almas amantes.
(Andréa Costa Narita)
Que final surpreendente Andrea!
ResponderExcluirMuito bom!